Centro de Pesquisas de Belo Horizonte – precursor do Instituto René Rachou

Imagem do edifício original do Centro de Pesquisas de Belo Horizonte, atual Instituto René Rachou. Acervo da Fiocruz Minas, s./d.

O atual Instituto René Rachou nasceu no bojo de uma série de transformações na saúde pública nacional, na década de 1950. O discurso político predominante na época era o do desenvolvimentismo, de forma que as iniciativas públicas deveriam voltar-se para a solução dos problemas que impediam o crescimento econômico do país, como as epidemias e as questões sanitárias que assolavam, principalmente, o interior do Brasil. No ano de 1930 Getúlio Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde Pública, que como o próprio nome indica, concentrava essas duas atribuições. Na década de 1940 a pasta criou os Serviços Nacionais de Saúde, visando dar atenção a doenças específicas, como a tuberculose e a malária. Apesar da estrutura centralizadora, o objetivo era conjugar a atuação dos órgãos federais com as demandas locais, o que criou um vasto campo de atuação para os médicos sanitaristas da época, encarregados de mapear e de buscar soluções para os surtos epidêmicos.

Assim, criou-se, no ano de 1941, o Serviço Nacional de Malária (SNM), responsável pelo o combate à malária em todo o país.[i] Contudo, logo ficou claro que ao lado das questões práticas era preciso produzir conhecimento científico sobre essa doença, de modo que em 1946 foi fundado o Instituto de Malariologia (IM), instalado no Rio de Janeiro (Duque de Caxias) em local conhecido como “Cidade das Meninas”. Os estudos sobre os transmissores da malária e de outras doenças levaram à instalação, no IM, de um fábrica para a produção do inseticida BHC, em 1950.[ii]

Paralelamente a essas ações, em Minas Gerais o pesquisador Amilcar Vianna Martins desenvolvia inquéritos para a avaliação da extensão geográfica de outra doença comum no país, a Esquistossomose. Tal trabalho chamou a atenção da Divisão de Organização Sanitária, e Amilcar Martins foi convidado a expandir os seus estudos para todo o país e para assumir a direção do Centro de Pesquisas sobre Esquistossomose, que seria instalado em Recife. Por razões profissionais o médico mineiro declinou a oferta, mas sugeriu a possibilidade de criação de um centro semelhante na cidade de Belo Horizonte, onde ele poderia assumir a função diretiva. Aceita a proposta, o então prefeito de Belo Horizonte, Otacílio Negrão de Lima, doou o terreno onde ainda hoje se encontra o Instituto René Rachou, na Avenida Augusto de Lima, na região do Barro Preto, próxima ao centro da cidade.[iii] A lei n. 141, de 30 de junho de 1950, previa a doação à União de terreno “para a construção de um grupo de edifícios destinados a um centro de pesquisas sobre helmintoses, com ambulatório e enfermaria e um centro de tratamento rápido contra moléstias venéreas, com o respectivo dispensário e outra enfermaria”.[iv] Segundo o arquiteto Benedito Tadeu de Oliveira, “O edifício, em dois pavimentos construídos nos alinhamentos do terreno, é constituído de um volume prismático de planta retangular, com aberturas contínuas providas de brises-soleils verticais e horizontais, conforme as orientações das fachadas. O tratamento externo é sóbrio e de acordo com o vocabulário clássico da arquitetura modernista”.[v]

O edifício ficou pronto em 1955, mas nesse momento, dada as instalações precárias do IM no Rio de Janeiro, foi decidido que o Instituto seria transferido para Belo Horizonte, devendo funcionar no prédio da Avenida Augusto de Lima. O diretor era o pesquisador René Guimarães Rachou, e com ele foram transferidos alguns funcionários do IM para continuar as atividades na capital mineira. Porém, com a posse no novo Presidente da República, Juscelino Kubitschek, no ano de 1956, os serviços nacionais de saúde foram reorganizados, sendo criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), com o objetivo de “organizar e executar os serviços de investigação e promover o combate à malária, leishmaniose, doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela, esquistossomose, ancilostomose, filariose, hidatidose, bócio endêmico, bouba, tracoma e outras endemias existentes no país”.[vi] Dentre os órgãos que integravam o DNERu constava o Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu), com a atribuição de “realizar pesquisas e estudos sobre as endemias […] com a finalidade de ampliar o conhecimento das mesmas e aperfeiçoar os métodos profiláticos destinados a combatê-los, bem como estabelecer as normas para inquéritos sobre as referidas doenças e promover sua realização”.[vii] Amilcar Martins foi nomeado chefe do INERu, cuja sede era na capital mineira, e a esse órgão ficou subordinado o antigo Instituto de Malariologia, que passou a chamar-se Centro de Pesquisas de Belo Horizonte. Como inicialmente o INERu e o Centro de Pesquisas de Belo Horizonte funcionavam no mesmo prédio, por vezes essas duas instâncias se confundiam, mas o segundo era subordinando ao primeiro, abrangendo também o Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, no Recife  e, posteriormente, outros núcleos de pesquisa.[viii] Em outubro de 1956 o Presidente Juscelino Kubitschek esteve na capital mineira para formalizar a inauguração do Instituto e do Centro.[ix]

A partir de então o Centro de Pesquisas de Belo Horizonte desenvolveu estudos nas mais diversas áreas de pesquisa, fundando importantes laboratórios, como: Laboratório de Entomologia Médica (1955), Laboratório de Sorologia (1955), Laboratório de Leishmaniose (1958), Laboratório de Química e Inseticidas (1955), Laboratório de Doença de Chagas (1960), etc. Com o passar do tempo criaram-se outros laboratório e os antigos sofreram alterações em seus nomes, em alinhamento com as mudanças científicas. Além das investigações, o Centro ofertava cursos de atualização para profissionais da área sanitária e médica, afirmando a necessidade dos profissionais serem polivalentes e atuarem na profilaxia e na terapêutica das doenças.[x]

As ações da instituição eram noticiadas em revistas especializadas e em informes administrativos; além das muitas publicações acadêmicas dos seus pesquisadores. Como na Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais, que em 1959 divulgou a invenção de um dispositivo por José Pellegrino, Zigman Brener e Geraldo Chaia, criado para facilitar a inoculação de substâncias em camundongos.[xi] Na década de 1960 a Divisão de Cooperação e Divulgação do DNERu começou a editar um periódico mensal chamado Folhas de Atualidades em Saúde Pública; ali constavam as realizações do DNERu, incluindo as suas subdivisões, como o INERu e, portanto, o Centro de Pesquisas de Belo Horizonte. Assim, no ano de 1966 o Centro relatou que foi possível “instalar ou remodelar laboratórios, biotérios e construir novos insetários para triatomíneos e flebotomos”.[xii] Além disso, no mensário são detalhadas as atividades por laboratório, como a do Laboratório de Malacologia, que buscava identificar novas espécies em localidades mineiras, fazendo pesquisas geográficas nas cidades de Alterosa e Betim. Ou do Laboratório de Química, que realizava triagem e testes de moluscicidas, enviados por pesquisadores do Brasil e do exterior.[xiii] Nota-se que as atividades do núcleo eram intensas e com importante repercussão no meio científico nacional.

Capa da publicação Folhas de Atualidades em Saúde Pública. Rio de Janeiro, n. 12, dez. 1966. Acervo da Biblioteca Central da UFMG.

 

 

No ano de 1966, o Centro de Pesquisas de Belo Horizonte passou a ser denominado Centro de Pesquisas René Rachou, uma homenagem prestada a esse pesquisador, ex-diretor do núcleo, que faleceu em 1963. As operações do instituto continuaram normalmente, acompanhadas de reformas e da expansão do prédio original. Mais importante, o Centro manteve a sua pujança científica, incorporando os avanços investigativos de cada época, e reafirmando-se como destacado polo de pesquisas, em Minas Gerais e no Brasil.

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

Coordenadores: Dr.ª Zélia Maria Profeta da Luz; Dr. Roberto Sena Rocha.

Historiadora: Dr.ª Natascha Stefania Carvalho De Ostos.

Texto de: Natascha Stefania Carvalho De Ostos – Doutora em História

 

 

[1] Decreto n. 8.677, 04 fev. 1942.

[2] SANTOS, Paulo Roberto. Inovação em saúde e desenvolvimento nacional: origens, criação e atuação do Instituto de Malariologia (1946-1956). Revista Rio de Janeiro, n. 11, set.-dez. 2003, p. 13.

[3] MARTINS, Amilcar Vianna. A História do Centro de Pesquisas “René Rachou”. In: FIOCRUZ. Centro de Pesquisas René Rachou. Comemoração dos 24 anos de existência. Belo Horizonte, 1980, p. 8.

[4] Lei n. 141, 30 de junho de 1950, Art. 1º.

[5] In: A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Minas Gerais Reflexões sobre a nova sede. Arquitextos, n. 165.01, ano 14, fev. 2014, p. 5.

[6] Lei n. 2.743, 06 de março de 1956, Art. 2º. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-2743-6-marco-1956-355164-normaatualizada-pl.html>.

[7] Idem, Art. 10.

[8] MARTINS, Amilcar Vianna, Ibidem, p. 10.

[9] Desde a malária ao tracoma. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 03 out. 1956, p. 3.

[10] Desde a malária ao tracoma. Jornal do Brasil, Ibidem.

[11] BRENER, Zigman. Esquistossomose experimental. Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais, Rio de Janeiro, vol. XI, n.2/3, abril/julho de 1959, p. 480.

[12] Centro de Pesquisas de Belo Horizonte. Folhas de Atualidades em Saúde Pública. Rio de Janeiro, n. 12, dez. 1966, p. 40.

[13] Centro de Pesquisas de Belo Horizonte. Folhas de Atualidades em Saúde Pública. Rio de Janeiro, n. 10, out. 1965, p. 51.